26.9.07

Bar e Café Estrela do Sumaré


Na primeira vez, acabara de mudar para o bairro e, por acaso, entrei para comprar provavelmente um maço de cigarros. Alguém me cumprimentou efusivamente. Era o Beto. Conheci-o quando me convenceu a colocar aquecimento solar em minha nova casinha. Não me arrependi.
Quem olha praticamente não os vê. Eles são tanto parte da paisagem nessa cidade, que nem os notamos individualmente. São os bares de esquina, os botecos, os botequins. Toda esquina tem um. Mas são todos especiais, particularíssimos.
Sempre que quero companhia, sinto falta de um dedo de prosa, de dar uma risada ou de falar sobre o jogo da noite anterior, é para o meu boteco que vou.
São, talvez, os últimos redutos machistas que restam na cidade. Verdadeiros clubes do Bolinha. As mulheres têm toda razão, fala-se do que elas acham que os homens falam nesses lugares: de futebol, delas mesmas e de política. Nesta ordem. Trocam-se piadas, fala-se mal das patroas (é assim que se referem às esposas) e discute-se, é claro. Sobre tudo. É um lugar onde todo mundo tem razão, e ninguém liga muito.
Mas esse meu boteco é único. Naturalmente fica em uma esquina, não muito longe de uma agência da Caixa Econômica. Tantos funcionários desse banco freqüentam o lugar que ele poderia perfeitamente se chamar Caixa Dois.
Mas conheci ali tipos imperdíveis. O Marcos, que é a cara daquele cineasta americano que fez Tiros em Columbine, virou um grande amigo. O Beto, que já mencionei. Seu César, conselheiro do Palmeiras e velho habitante do bairro. Contou que o quarteirão, onde hoje moro, já teve um clube-cassino, chamado Marajoara. Disse-me que, em dia de chuva, ninguém conseguia subir a avenida Pompéia, que era então de terra. O seu Aramis, sempre de bermudas, meias, sapatos escuros e bengala, presença cotidiana indispensável. Num desses dias de muita chuva disse-me que tinha a solução perfeita para as enchentes de São Paulo: “é só inverter o rio e jogar toda a água na Serra do Mar”, me garantiu. Devia ser candidato a prefeito. O chofer de táxi, com um sorriso mais malandro que já vi e um rabinho de cavalo que... Bem, deixa para lá. O Grego, que já foi o rei do jazz nessa cidade, às vezes, com o sorriso mais orgulhoso do mundo, passa pela porta do bar, de mãos dadas com a filhinha pequena, lança-me um olhar enviesado de reconhecimento, mas não pára. Aquele não é lugar para meninas, muito menos as pequenas. O Chico Rosa, pintor e escultor, aparece de vez em quando. O Pessini e o Adriano, grandes artistas e memórias ambulantes do bairro, da cidade e do país, brindam-me, pacientemente, com a História e as estórias da minha terra e da minha gente. Tantos personagens. O lugar é democrático, todos têm sua vez, não importa se são estudados ou não, se têm mais ou menos dinheiro, mais ou menos idade. Todos são bem-vindos, têm sua vez e são atendidos com a mesma delicadeza pelo Jenival ou pelo João, donos atentos e eficientes.
Ao redor das cinco e meia, seis horas da tarde, aparecem todos por lá para assistir à “parada”: o desfile cotidiano das belas moças de todas as idades que passam saindo do trabalho e indo para casa, para a padaria, para o ponto de ônibus. Todas ganham seus olhares, comentários de apreciação, a admiração de seu público. São raros os elogios mais grosseiros, não que não aconteçam, mas são raros.
Não é o único bar de esquina da área. Depois descobri outros. O do Antônio e da Gorete, por exemplo, com um bolinho de bacalhau de primeiríssima qualidade. Aí conheci a Mirtes, outra grande figura, a exceção que confirma a regra, aceita no “clube” sem questões, boa de papo e dona de excelente humor.
Há, é claro, a população flutuante dos que bebem, indo a cada dia em um deles, de modo que ninguém vá achar que bebem muito. Mas os donos de botecos desta cidade têm olho vivo, ética e coração. Não vendem álcool antes das dez da manhã e exercem seu bom senso: quando acham que o sujeito bebeu demais, já vão avisando e não lhe servem mais bebidas. “Vai para casa, fulano, que pra você acabou a cerveja”, como já ouvi o Antônio dizer, mais de uma vez.
Essa minha cidade e seus botequins de esquina! Como iríamos viver sem eles? Sem o torresmo, sem a coxinha e sem a rabada de aperitivo. Sem a cervejinha de todo fim de tarde. O que seria de nós sem esses pontos de encontro e de alegria, de amizade casual e companhia. Sem esses verdadeiros templos da camaradagem paulistana.