26.9.07

Ela


Ela vem vindo.
Sei disso pelos sinais.
Na primeira vez foi um relance. Estava distraído e depois fiquei me perguntando se não tinha sido imaginação. Uma figura morena, fugidia, passando numa fração de segundo pelo canto do olho.
Depois achei tê-la visto no supermercado. Daquelas coisas: entrava no estacionamento quando ela saia, de novo, muito pouco tempo para ter certeza. Estava loira, de branco e azul, rabo-de-cavalo e um ar de quem acabara de sair do banho. Parecia a primavera.
Na vez seguinte, senti apenas o perfume. Estávamos no mesmo escuro de cinema e não podíamos estar a muitas fileiras de distância. Procurei-a, nas cenas mais claras do filme, mas não houve jeito. Havia muita gente, acho.
Ou então ainda não era hora.
Outro dia vi-a pela primeira vez de frente. Tinha acabado de tomar um espresso e estava acendendo um cigarro quando a vi. Uma blusa simples, cabelos avermelhados, lisos, calça jeans. Estava quase entrando no lado do passageiro de um carro enquanto alguém – talvez sua mãe, talvez uma amiga mais velha – abria a porta do motorista. Parei logo adiante para vê-la de novo. Seu olhar cruzou com o meu por um instante quando o carro passou.
Foi ali que tive certeza absoluta. Estava claro. Sinais inconfundíveis: ela vinha vindo.
Às vezes, de manhã bem cedinho, quando o ar frio está mordendo e o dia parece novinho em folha, fico imaginando como ela será. Que estranhas manias terá, quais hábitos de menina, se aperta o tubo no fim ou no meio. Será que sai do banho com a cabeça enrolada na toalha, como num filme, ou será que tem cabelos curtos e sai pra rua com eles ainda molhados?
Estou ansioso para saber sua cor favorita, qual filme que mais a fez chorar e se alguém já lhe partiu o coração.
Quero saber se têm irmãos, como se dá com os pais, se já sabe o que vai ser de sua vida.
Mas principalmente, gostaria de saber se já percebeu, se já viu os sinais também. Se me pressente.
Eu por mim já sei, não tenho mais dúvidas:
Ela vem vindo.