26.9.07

Lugares / Paisagem Noturna


Outro dia um grande amigo perguntou, a si mesmo ou a mim, não sei bem, quanto vivem e como morrem os bares na noite de São Paulo.
Achei a pergunta interessante.
Meu primeiro bar, na década de setenta, o Riviera, era na Consolação perto da Paulista. Os tempos eram difíceis e não eram muitos os lugares onde as pessoas podiam se reunir. Apesar do clima político asfixiante que reinava na cidade e no país, o lugar era uma festa. Todo mundo ia lá. A casa viu passar tanta gente criativa e inteligente que até seus garçons tiveram seus quinze minutos de fama. Foi o Paribar da minha geração. Ao lado havia o famoso Ponto Quatro, que tinha o melhor – e maior – filé a parmigiana da cidade. De tão macio, era cortado com uma colher pelo garçom.
Meio que na mesma época apareceu um barzinho estreito, ao lado de uma churrascaria no centro, chamado Mais Um. Ia lá de vez em quando, mas a população era mais ou menos a mesma do outro bar.
Depois veio o Lei Seca... Era distante, depois da estátua do Borba Gato, mas fez um sucesso tremendo. Com música ao vivo, se bem me lembro, a conversa para lá de animada: era um lugar transado, cheio de pessoas interessantes.
Muitos anos mais tarde, depois de casar e criar filho, lá estava eu, de volta à noite. Foi quando abriram o Speakeasy. Um bar pequeno, com música de primeira, situado na Consolação, logo abaixo da Oscar Freire. A calçada em frente ficava cheia de gente querendo entrar ou sair. Era tão bom que até ficar na frente, sem entrar, era programa.
A seguir veio a era dos pubs. Já mais velho, sentia-me melhor entre as madeiras e as cervejas escuras. O primeiro deles, se não me engano, foi o Queen’s Legs, ali na Mello Alves. Jogavam-se dardos, conversava-se com estrangeiros, residentes ou de passagem, um ambiente muito inglês e muito civilizado.
Lembro-me de outros, que não duraram muito, mas que ficaram conhecidos em sua época, como o Jungle e, anos depois, o Van Helsing, em frente ao cemitério, na Cardeal Arcoverde.
Todos cujos nomes mencionei já não existem mais. Vieram e se foram com suas turmas e seus freqüentadores.
Muitos outros, no entanto, estão aí até hoje. Esses souberam se renovar. Não no sentido de fazer uma reforma nas instalações, mas de atualizar, inspirar novos grupos de freqüentadores, criando novas histórias, deitando raízes mais profundas.
Voltei àquele primeiro bar outro dia. Estáva no mesmo lugar, praticamente igual. Estavam lá as mesas e as cadeiras, o balcão de fórmica vermelha, a escada curva da década de cinqüenta, beirando a parede de tijolos de vidro, as colunas, e até o mesmo dono empoleirado atrás da mesma caixa registradora.
Mas o Juvenal e o Zé, os inesquecíveis garçons, não estavam. Tampouco o zunzum, o entra e sai e o ar enfumaçado, nem ninguém que eu conhecesse ou que já tivesse visto. Olhei bem, prestando bastante atenção e, de repente, me dei conta: eu também não estava lá! Eu era apenas um fantasma arrastando minhas correntes, de visita ao velho castelo.
Um bar não é um prédio, um endereço ou um nome. Um bar é um momento no tempo, um conjunto de circunstâncias. São pessoas comparecendo a um encontro sem terem combinado. É um lugar onde todos te conhecem, e você conhece todos, mesmo que só de vista, como naquele antigo seriado da TV. Um bar é o cruzamento de histórias simultâneas, amores à primeira vista, coincidências, amizades de ocasião, pares desfeitos e noites memoráveis. É uma estrela de mercúrio iluminando a paisagem noturna. Pode ser uma estrela cadente ou uma supernova, durar muito ou pouco no universo físico, não é isso que importa.
Bares não morrem. Mesmo os que se foram, não morreram. Apenas ficaram invisíveis. Vivem na memória das pessoas e na história da cidade.
Brindemos a eles.