26.9.07

Infâncias


Tenho dó dos moleques de hoje em dia presos no playground dos prédios.
Quando saía de bicicleta, depois da aula, não precisava avisar ninguém. Enquanto fazia sol não dava notícia de mim. Só me esperavam para o jantar, lá pelas sete da noite. Jogávamos bombinha em caixas de cartas ou então as colocávamos debaixo de latas para brincar de foguete. Carrinho de rolimã ladeira abaixo, sem breque, sem nada. Tocar a campainha e sair correndo. Cortes, braço, perna e até dente quebrado, ninguém ligava muito. Cuidava-se e pronto. Partia-se em seguida para outra.
Brigar no recreio então, era coisa comum, todo mundo fazia roda no banheiro ou no campo de futebol. Não podia chorar. Pai nenhum ousava tomar alguma providência que não fosse deixar a gente se virar.
Água era tomada na mangueira. Nenhum feirante ligava muito se roubássemos uma mexerica e fugíssemos em disparada.
Telefonar só se fosse para passar trote. Passava-se na casa do melhor amigo, assobiava-se, com dois dedos de cada mão. Era a senha. Repetir o ano não era desejável, mas acontecia. Ninguém nunca morreu por causa disso. Lição de casa se fazia à noite, antes de dormir, quando fazia. Todo mundo ia para escola sozinho, a pé.
O negócio era aprontar e não ser pego. Se pegassem, e às vezes pegavam, pagava-se o mico e pronto, coisa de moleque impossível.
Brincava-se de aventura, de seguir o mestre, de andar no telhado, de entrar em casa abandonada. Tinha guerra de mamona e, de vez em quando, alguém quebrava o pau com os pais e fugia de casa. Depois voltava ou então era voltado.
Todos os zeladores nos detestavam. Jogava-se bola na rua ou gol a gol no quintal. Quase todo mundo tinha cachorro.
Não pegava bem ser bom aluno. Lembro-me de minha primeira calça comprida.
Tenho mesmo dó dos moleques de hoje em dia, presos em playground de prédio. É celular, é computador, é videogame. Qualquer pirralho já anda todo produzido, e só é solto no shopping. Um jaulão grande e cheio de seguranças por toda parte. Água só de garrafinha e tome-lhe televisão. Ninguém mais sobe em árvore ou rouba jaboticaba. Parece que os moleques já começam adolescentes, desde criancinha. Nem sabem o que perdem.