26.9.07

Entretempo


Nunca fui um grande torcedor de futebol. Escolhi um time, ainda criança, pois não era possível freqüentar a escola ou a turma de amigos sem torcer por algum. Mas não jogava ou acompanhava jogos. Lembro-me do Santos, tido como o melhor entre todos os times da época.
A Copa de 70 foi a primeira ocasião em que realmente prestei atenção em jogos de futebol. Primeira Copa televisionada para o Brasil, novidade de luxo da época.
A performance da seleção brasileira foi espetacular. Vitória após vitória, jogo a jogo, o time galgava posições em direção a tão esperada final. Mas foi no quarto gol da final, contra a Itália, que vi uma jogada que me prendeu a atenção como nada até então em uma partida de futebol.
Pelé recebeu e vinha com a bola dominada na direção do gol adversário quando, vagarosamente, parou um pouco antes da meia-lua da área adversária, deixou o ar sair dos pulmões e, depois de imóvel por alguns instantes, rolou a bola mansamente com a lateral do pé para Carlos Alberto que vinha em diagonal pela direita. Ele fuzilou o gol italiano. Sem defesa. 4x1. Com esse último gol ganhamos a Copa. Fomos tricampeões do mundo.
Nunca mais esqueci o timing daquele gol arquitetado por Pelé.
Agora em março de 2005, assistia a uma partida entre o Barcelona e o Chelsea, quando vi uma jogada do Ronaldinho Gaúcho que me lembrou o gol de Carlos Alberto e Pelé na final contra a Itália, em 1970. Ele estava perto da grande área e, na sua frente, quatro jogadores do Chelsea barravam-lhe a passagem. Ele gingou e chutou certeiro. Gol. Ficaram todos parados. Inclusive o goleiro. Tempo suspenso.
Duas maravilhas da habilidade humana.
Não cultivei, durante a maior parte da vida, como disse, o hábito de informar-me sobre futebol. Mas essas duas jogadas, tão distantes no tempo, serviram para me aproximar do assunto. Já mais recentemente, passei a desfrutar da amizade de alguns boleiros de escol. Ouvindo, fascinado, suas histórias, dou-me conta do quanto perdi por não ser um amante desta arte.
Contaram-me que foi esse o caso do gol de Alcides Ghiggia, na final da Copa de 50, aos 34 minutos do segundo tempo. A bola, chutada rasteira, quicou em um montículo na grama e passou no exíguo espaço entre o goleiro e a trave. Tempo suspenso novamente. Esse, com conseqüências trágicas para a auto-estima brasileira.
Não posso, apesar da tentação, dizer que o tempo parou nessas jogadas. Duas tive o privilégio de assistir pessoalmente, a outra, histórica, é anterior a meu nascimento. O tempo não pára. Todos sabem disso. Mas há uma mudança no timing desses jogadores, nessas ocasiões, que passam essa impressão de tempo suspenso.
São como pinturas no ar ou poemas em movimento. Obras de arte de existência brevíssima: vôo de pássaro, passo de dança, brilho de olhos. Em sua plenitude, são privilégios exclusivos dos que os vêem acontecer, usufruem a suspensão do tempo junto com esses artistas e participam desse mistério. O encontro do engenho individual com a oportunidade coletiva gerando beleza em estado puro.